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Sobre Pais, Filhos e Asas

Dia desses, eu li um texto que dizia que a missão dos pais na vida dos filhos é, aos poucos, irem se tornando desnecessários. Achei aquilo pura poesia: ao mesmo tempo, dá vazio e soco no estômago. Por que eu, mãe ou pai, iria me empenhar em me tornar desnecessário para o meu filho? Por que eu, filho, iria querer prescindir dos meu pais?
A resposta é singela: porque essa é a ordem natural da vida.
Zelar pela saúde física e emocional de alguém é uma tarefa árdua em que os pais estão empenhados desde o momento em que os filhos surgem em suas vidas. Noites sem dormir, sobressaltos, contas, preocupações... uma miríade de demandas. E, se o afeto incondicional está estampado na outra face da moeda, há quem procure tirar algum deleite do lado menos edulcorado dos cobres.
Lembram daqueles versos do Cazuza, que falavam "Que prazer mais egoísta /O de cuidar de um outro ser"? Pois há quem se vicie de tal forma em ser cioso dos rebentos que não só não permite que eles desenvolvam os anticorpos e as habilidades necessárias pra encarar o mundo, como também viram vítimas de seu próprio vício. Na fase da vida em que a relação já deveria ter sido tocada pela leveza da confiança e do amor sem o imperativo da necessidade, lá estão os pais, se desdobrando em mil para intervir em cada pedaço da vida dos filhos, despendendo uma energia que já não têm para experimentar reiteradas vezes o barato de dar conta de tudo. Do outro lado, crescem o homem e a mulher de casca fina, carapaça frágil, linguagem emocional infantil, capacidade limitada de ação e reação. Uma geração de seres quiméricos, meio adultos, meio crianças. Alguns se disfarçam muito bem sob camadas de roupas, discursos, carreira e casamentos, mas a forma real subsiste.
Há quase três anos, eu me mudei pra cidade onde passei a adolescência, voltando a morar com os meus pais depois de quase 20 anos vivendo sozinha. Acredito que nossa convivência em bons termos, apesar dos pequenos conflitos cotidianos, só é possível porque eles me deram asas desde muito cedo. Solicitamo-nos mutuamente sempre que precisamos, cuidando para não invadir a privacidade do outro ou criar ligações de dependência - a relação é de adultos que dividem casa, contas e, claro, um universo emocional de colaboração, corresponsabilidade e laços de afeto. Na hora em que eu me mudar, sei que o processo será tão natural quanto foi o da minha chegada; tenho o meu projeto de vida, eles têm o deles, os dois não convergem e - que maravilha! - ninguém lamenta por isso, tampouco cogita se tornar um apêndice da vida alheia. Se falhamos em muitas coisas, pelo menos na missão da desnecessidade tivemos sucesso.
Não sei se um dia eu terei filhos e precisarei encarar esse desafio pela proa, mas muitos de vocês já os têm, amigos. Não cometam a covardia de não se tornarem desnecessários. A conta emocional é alta e chega com juros.

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